Cuba: estudantes se revoltam com dolarização do uso de internet em celulares
As novas tarifas de internet para celulares em Cuba desencadearam uma onda de protestos estudantis sem precedentes desde a revolução castrista de 1959, refletindo a crescente frustração da população diante da dolarização da economia e do aumento das desigualdades sociais. Um grupo de diálogo foi criado nesta quarta-feira (11) entre a estatal de telecomunicações e alunos e professores universitários.
Desde que as novas tarifas entraram em vigor em 30 de maio ? limitando o consumo de gigabytes em pesos e favorecendo a compra de recargas em dólares, iníveis para a grande maioria da população ? os estudantes aram a divulgar várias mensagens de protesto. Alguns chegaram a convocar uma greve das aulas.
Após uma semana de manifestações, foi anunciada a criação, a partir desta quarta-feira, de um "grupo multidisciplinar" de diálogo entre representantes da companhia nacional de telecomunicações, Etecsa, e estudantes e professores de cerca de dez faculdades de Havana.
Paralelamente, estudantes denunciaram nas redes sociais estarem sofrendo pressões por parte da segurança do Estado para recuar.
Protestos vão mais longe
Embora o estopim tenha sido a nova tarifação telefônica, a mobilização em várias faculdades do país também critica a condução da economia pelo governo nos últimos anos.
Estudantes da Faculdade de Direito de Holguín, no leste do país, classificaram a medida como "excludente, elitista", e afirmaram que "todos os cidadãos deveriam gozar dos mesmos direitos (...), o que está sendo flagrantemente violado pela dolarização manifesta e crescente da economia cubana".
"O dólar está se tornando cada vez mais a moeda principal deste país", indignou-se uma estudante de medicina durante um debate público em sua universidade, cujo trecho viralizou nas redes sociais.
Segundo o opositor Manuel Cuesta Morua, a mobilização conecta os estudantes à tradição dos movimentos estudantis cubanos dos anos 1950, dos quais participou o ex-líder Fidel Castro.
Eles estariam conduzindo "uma revolução dentro da revolução", e "resgatando o discurso original de uma revolução que se militarizou e se tornou conservadora" ao longo do tempo, afirma o dissidente.
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Desvalorização vertiginosa
Em um "Manifesto Estudantil", membros de várias faculdades da capital destacaram que "não se opõem ao governo, nem à Revolução, mas a políticas específicas que traem o ideal" socialista de equidade.
Enquanto Cuba enfrenta sua pior crise econômica em mais de 30 anos, multiplicam-se os sinais de uma sociedade dividida: carros de luxo circulam pelas ruas de Havana, bares, restaurantes e lojas privadas exibem preços exorbitantes para o cubano comum.
A causa é o o desigual ao tão cobiçado dólar. A grande maioria dos cubanos recebe salários em pesos, cuja desvalorização nos últimos anos foi vertiginosa. Isso alimentou uma inflação fora de controle e mergulhou muitas famílias em uma situação de precariedade inédita.
Segundo o Centro de Estudos da Economia Cubana, ligado à Universidade de Havana, entre 2018 e 2023, a inflação acumulada foi de 190%, chegando a 470% no caso dos alimentos. O peso perdeu mais de 1.000% de seu valor.
Diante da crise ? agravada pelo endurecimento do embargo dos EUA, uma economia centralizada ineficiente e uma fracassada reforma monetária ? o governo do presidente Miguel Díaz-Canel tenta, por todos os meios, captar moeda estrangeira.
Dolarização da economia
Com isso, acelerou a dolarização dos setores de alimentação, combustíveis e agora da telefonia móvel, marginalizando ainda mais quem não tem apoio financeiro do exterior.
Para os estudantes, a nova tarifação ? justificada pela Etecsa como necessária para manutenção dos serviços e novos investimentos ? foi "a gota d'água".
Segundo a economista Tamarys Bahamonde, da Universidade de Washington, nos EUA, isso revela o "nível de desconexão entre quem toma as decisões e o sentimento dos cidadãos cubanos".
A Etecsa, como monopólio estatal, "deveria prestar contas à população há muitos anos sobre os problemas de capitalização e infraestrutura", acrescenta.
As medidas corretivas anunciadas em favor dos estudantes não apaziguaram de imediato os protestos, pois os estudantes exigem políticas que beneficiem toda a população.
Manuel Cuesta Morua observa "que o discurso sobre as necessidades gerais da população foi transferido do governo para os estudantes" e vê nessa mobilização "um alerta" para o poder.
(com AFP)