'Principal objetivo é destravar', diz relator da reforma do Código Civil

Relator da comissão que elaborou a proposta de atualização do Código Civil, o advogado Flávio Tartuce afirma que o principal objetivo do projeto é "destravar" processos e melhorar a resolução de problemas. Ao UOL, ele negou que a reforma resultará numa versão inteiramente nova do código, caso aprovada.
Confira os principais trechos da entrevista:
Código Civil está 'ultraado'
Tartuce afirmou que a necessidade de atualização foi o que motivou a proposta de reforma do atual Código Civil, redigido nos anos 1960 e aprovado em 2002.
O atual código é muito ultraado em matéria de costume, em matéria digital, em matéria de condomínio, que é o tema que agora está se falando muito. Na academia, nos meios acadêmicos, já se falava que ele precisava ser alterado. E aí houve uma iniciativa do Judiciário, dos ministros, do STJ e do Senado de se fazer uma comissão de juristas para a reforma.
O código atual foi entregue em 1970. É um código que já nasceu velho. Que foi desarquivado, ficou muito tempo em tramitação. A gente não pode cometer esse mesmo erro.
As diretrizes da atualização
Para o advogado, manter princípios do código hoje em vigor foi o que pautou a elaboração da proposta de reforma, juntamente com o desejo de atualizar o texto.
Nós decidimos, primeiro, manter o texto e a estrutura do código. Manter artigos fundamentais, manter princípios. Não é um novo código. A reforma não é uma ruptura. Então, essa foi a metodologia que nós empregamos: preservar o código naquilo que fosse possível. Adotar doutrina e jurisprudência majoritárias. E atualizar frente a outras leis.
Um novo código seria a revogação desse atual e uma ruptura total com o que nós temos hoje. Como foi entre o código de 1916, que era um código individualista, e o código de 2002, que é um código mais plural, com conceitos abertos.
É curioso porque há uma crítica que diz que a proposta de atualização adota muitos conceitos abertos e é um novo código. Então, é uma contradição.
Apelo aos críticos
Na entrevista, o advogado convidou os críticos do texto em discussão no Congresso a debaterem a proposta ao invés de defenderem seu arquivamento.
Eu fui vencido em muitas votações [durante a elaboração da proposta] e acho que a gente precisa melhorar algumas coisas. Isso é muito saudável. Agora, existe um movimento que é de tentar boicotar o projeto, de não deixá-lo seguir adiante. Isso, a gente discorda.
A gente gostaria que essas poucas pessoas, que querem tentar engavetar o projeto, debatessem com a gente para melhorar o texto. Muitos são grandes juristas. A gente está aberto para debater porque o país não pode perder essa oportunidade que o Congresso deu para a gente melhorar o Código Civil. Acho que, na democracia, a gente precisa agir assim e não boicotar por uma questão pessoal.
'O debate vai continuar'
Em relação às críticas de que a proposta teve pouca participação social na sua elaboração, Tartuce afirma que o processo foi inclusivo e ainda não acabou.
Nós tivemos uma comissão muito mais plural do que a comissão que elaborou o código em vigor hoje. Mandamos ofícios para mais de 500 entidades e 200 mandaram propostas. Realizamos audiências públicas em São Paulo, Porto Alegre, Bahia e Brasília. Todas elas ouvindo juristas. A gente teve participação daqueles que quiseram participar. Uma participação feminina de mais ou menos 40%.
O debate vai continuar. O debate no Congresso também vai ter audiência. É um processo que já dura quase dois anos e que deve se estender por mais ou menos cinco anos, no total.
Mais poder para juízes?
O advogado também se posicionou sobre outra queixa recorrente: a de que o projeto dará mais poder a juízes por ser vago em vários pontos —o que ele nega.
Isso hoje já é assim. E tem duas leis que contribuíram para isso. O Código Civil de 2002 e uma lei, que é o Código Processo Civil de 2015. Nossa proposta vem justamente no sentido de tentar organizar, complementar e sanar várias lacunas.
A lei que deu mais poder para o juiz efetivamente foi o Código de Processo Civil e as cláusulas gerais estão no Código Civil atual. Boa fé, função social, atividade de risco, melhores condições. Tudo isso está no Código Civil atual.
Em defesa dos advogados
Prevista na proposta, a possibilidade de que advogados sejam responsabilizados apenas por erros com culpa comprovada —como já acontece com juízes e promotores— foi defendida por Tartuce.
O sistema atual é um absurdo completo. Juiz e promotor só respondem por dolo ou fraude e o advogado responde por simples culpa. O advogado não pode ser equiparado, com devido respeito, a um médico, um dentista, um marceneiro. Ele tem que ser equiparado a juiz e promotor, nas prerrogativas daquilo que for possível.
Hoje, tem o golpe do falso advogado. O golpista frauda o documento e manda para o "cliente" uma mensagem, cobrando dinheiro. Se o advogado toma conhecimento que estão usando o nome dele, pelas regras atuais, ele tem que comunicar a todos os clientes. Porque, se não comunicar, ele responde. Como o advogado vai controlar todos os golpes que são dados em relação ao nome dele?
Paternidade presumida
Outra mudança polêmica do texto é o reconhecimento de paternidade em cartório, e não após processo judicial, como acontece hoje. O advogado defende a inovação.
Hoje, para reconhecer paternidade, você precisa entrar com uma ação judicial. Demora até 15 anos. Se o pai se nega na ação a fazer o exame, presume-se que ele é pai. Há milhões de crianças no Brasil sem um pai no registro. Isso é perverso com as crianças e as mães.
Então, a [jurista] Maria Berenice Dias fez essa proposta de levar a presunção de paternidade para o cartório. A princípio, teve resistência. Mas esse é um tema de proteção de direitos das mulheres. Depois que a gente explicou, houve consenso. Após ser apontado, ele vai ter que entrar com uma ação. Ele pode se manifestar no cartório também. Isso caberá ao CNJ regulamentar. A gente até achou que essa proposta ia ser elogiada, não criticada.
Herdeiros necessários
Tartuce defendeu a mudança que faz com que cônjuges deixem de ser herdeiros necessários, prevista na proposta de atualização.
Eu sou advogado de inventário. Hoje, os inventários não terminam. Só termina o inventário quando tem acordo. E o grande problema é a concorrência sucessória. O filho herdando junto com o cônjuge, isso não deu certo. Pela proposta, o cônjuge terá uma ampliação enorme de meação em vida. Ele terá direito a alguns bens também na separação de bens. Bem que ajudou a adquirir, por exemplo. E o cônjuge não vai ficar desamparado porque aquela viúva, por exemplo, que precisar, ela vai ter direito real de habitação e vai ter usufruto. Então, mesmo com essas mudanças, a gente não vai ter desamparo pra viúva.