Como a Ilha dos Museus encarna a agitada história de Berlim
Como a Ilha dos Museus encarna a agitada história de Berlim - Conjunto de museus à margem do rio Spree completa 200 anos. Iniciado após as guerras napoleônicas, complexo refletiu glória da antiga Prússia no século 19, mas também foi palco de destruição e saques durante a 2° GuerraA Ilha dos Museus de Berlim resume de forma única a história moderna da Alemanha. Seus edifícios são testemunho das ideias do Iluminismo e da destruição da Segunda Guerra Mundial, assim como da divisão da Guerra Fria e da restauração contemporânea que transformou o conjunto de museus em um ímã turístico.
Registro concreto dos desenvolvimentos arquitetônicos e culturais da Europa, o complexo histórico de edifícios foi reconhecido pela Unesco como Patrimônio Mundial em junho de 1999. Neste ano, comemora seu 200º aniversário desde que a pedra fundamental do primeiro edifício foi colocada.
Legado do Iluminismo
Durante as Guerras Napoleônicas (1803-1815), quando os ses invadiram a Prússia (o antigo reino que liderou a unificação da Alemanha no século 19), muitas obras de arte foram saqueadas de sua capital, Berlim. Depois que os itens foram devolvidos após a guerra, os líderes prussianos decidiram criar um museu para exibir publicamente os tesouros.
O Altes Museum (Museu Antigo) foi o primeiro edifício da série de cinco instituições que mais tarde se tornaria conhecida como Ilha dos Museus. Chamado simplesmente de Museu em seus primeiros anos, sua pedra fundamental foi lançada em 1825 e ele foi inaugurado em 1830.
Naquela época, após décadas de guerra, a Prússia estava arruinada economicamente, "e mesmo assim investiu em um edifício cultural como esse, contratando o melhor arquiteto da época, [Karl Friedrich] Schinkel", diz à DW Hermann Parzinger, que está deixando o cargo de presidente da Fundação do Patrimônio Cultural Prussiano. Ele gosta de ressaltar esse detalhe no contexto atual, quando alguns políticos vêm questionando a importância de financiar a cultura.
Alinhada aos ideais do Iluminismo, a educação foi considerada pela Prússia como uma prioridade. O pensador e estadista Wilhelm von Humboldt via os museus como um pilar da reforma educacional que ele implementou: "O museu, como um espaço de educação estética do cidadão, era muito importante para ele", explica Parzinger. "Era mais do que apenas construir um museu; havia uma visão por trás disso, e a arte, ao lado da ciência, tinha um papel central."
Conjunto construído ao longo de um século
Durante a era colonial, a coleção de artefatos históricos cresceu, assim como a vontade de mostrar também os artistas românticos alemães. Mas eram necessários mais museus em Berlim para abrigar essas obras.
No século seguinte, mais quatro grandes museus foram acrescentados ao complexo, que fica na parte norte da Ilha do Spree, no coração histórico de Berlim: o Neues Museum (Novo Museu) foi inaugurado em 1859; a Alte Nationalgalerie (Antiga Galeria Nacional), em 1876; o Bode-Museum (então Kaiser-Friedrich-Museum), em 1904; e, finalmente, o Pergamonmuseum (Museu de Pérgamo), projetado para abrigar o Altar de Pérgamo e a monumental Porta de Ishtar da Babilônia, em 1930.
Glória de curta duração antes da Segunda Guerra
Por alguns anos antes da Segunda Guerra Mundial, a Ilha dos Museus foi uma das joias da coroa da cultura europeia.
Os nazistas celebravam as obras clássicas e antigas das coleções de seus museus, que eles viam como parte de uma suposta herança ariana.
Durante a Segunda Guerra Mundial, funcionários dos museus levaram parte dos artefatos valiosos para bunkers subterrâneos, minas e castelos em toda a Alemanha. Isso salvou muitas peças, inclusive o busto de Nefertiti e grandes porções dos frisos do Altar de Pérgamo, mas também contribuiu para que várias peças se dispersassem.
Após a guerra, o Exército Vermelho Soviético ocupou a área, e coleções de arte de toda a Alemanha foram saqueadas a título de reparação de guerra. As Brigadas de Troféus do Exército Vermelho enviaram milhões de itens históricos para Moscou e São Petersburgo, muitos dos quais acabaram em coleções particulares não documentadas.
Muitos objetos foram devolvidos a Berlim na década de 50, especialmente durante a era do líder soviético Nikita Khrushchev, mas estima-se que cerca de um milhão de obras de arte, mais de quatro milhões de livros e manuscritos e um número considerável de materiais de arquivo ainda estejam na Rússia e seus países vizinhos.
Embora instituições alemãs e russas tenham nas últimas décadas desenvolvido esforços comuns de pesquisa sobre esses objetos disputados, hoje, "por causa da guerra [na Ucrânia], tudo está em suspenso e interrompido – e não sabemos quando poderemos retomar esses contatos", diz Parzinger.
Reconstrução da Ilha dos Museus
Na Alemanha dividida, a Ilha dos Museus ficou em Berlim Oriental, sob o controle da República Democrática Alemã. O Estado comunista "simplesmente não tinha os recursos para a reconstrução após 1945. Os edifícios foram reparados, mas não completamente renovados", explica Parzinger.
O Neues Museum, que havia sido especialmente danificado, foi deixado intocado, como uma ruína simbólica da guerra. Parzinger se lembra claramente de sua própria visita a Berlim Oriental quando era estudante, em 1984 – décadas antes de se tornar, em 2008, presidente da Fundação do Patrimônio Cultural Prussiano, órgão governamental que supervisiona os museus estaduais de Berlim, incluindo os da Ilha dos Museus.
Foi nessa época que ele viu pela primeira vez a fachada bombardeada do Neues Museum: "Lembro-me de que havia árvores enormes crescendo na escadaria. Não havia telhado, e era possível ver copas das árvores acima do prédio. Era inacreditável para mim."
Quando o Muro de Berlim caiu, era essencial renovar completamente os edifícios e prepará-los para o futuro, explica Parzinger. E um plano diretor delineou a restauração dos cinco museus que compõem a ilha.
Abordagem excepcional para a restauração
Sem dúvida, o projeto de restauração mais importante foi a ressurreição do Neues Museum. O projeto do arquiteto britânico David Chipperfield foi inicialmente recebido com forte resistência. Ele integrou as ruínas em uma nova construção, e trabalhou com as cicatrizes da guerra ao deixar visíveis buracos de bala e afrescos faltantes no teto – os puristas preferiam uma restauração fiel ao edifício neoclássico original.
Mas implementar esse "conceito magnífico" foi a decisão correta, diz Parzinger com entusiasmo, citando que ainda descobre novos detalhes toda vez que retorna ao prédio. O museu reformado ganhou vários prêmios nacionais e internacionais de arquitetura.
Lar do museu egípcio e da coleção de papiros, a exposição mais famosa do Neues Museum é o busto faraônico da rainha Nefertiti. No ano ado, foi lançada uma petição para que o busto de 3.370 anos seja devolvido ao Egito. Mas, para a Fundação do Patrimônio Cultural Prussiano, não há nada a ser discutido sobre seu retorno: "Nefertiti veio para Berlim como parte de uma descoberta totalmente legal e bem documentada", afirma Parzinger.
No entanto, ele tem sido uma figura importante no debate sobre a restituição de peças históricas, especialmente no tocante à devolução dos Bronzes de Benin e de outros objetos com origens coloniais.
Após 17 anos à frente da Fundação do Patrimônio Cultural Prussiano, ele se aposentou do cargo e será sucedido por Marion Ackermann. Ela se tornará a nova presidente da fundação neste domingo (01/06), quando serão lançadas as festividades do 200º aniversário da Ilha dos Museus.
A restauração dos edifícios prosseguirá, conforme definido pelo plano diretor. Um marco notável recente foi a abertura da Galeria James Simon em 2019. Nova adição à Ilha dos Museus, ela serve como entrada principal e espaço de orientação para os visitantes.
O Museu de Pérgamo está fechado até 2027, devido a uma reforma. E o Altes Museu será o próximo a ser renovado.
Quando todas as restaurações estiverem concluídas, quatro dos cinco edifícios históricos serão conectados por um caminho subterrâneo – chamado de eio Arqueológico – inspirado nas pontes históricas entre os museus que foram destruídas durante a Segunda Guerra.
Todos os acréscimos e restaurações contribuem para consolidar ainda mais o status da Ilha dos Museus como o sucesso de bilheteria da Alemanha, equivalente ao Louvre em Paris ou ao Museu Britânico em Londres. Como cada novo sopro de vida ao complexo de museus no rio Spree, a Ilha dos Museus se prepara para seguir refletindo a história de Berlim nos próximos séculos.
Autor: Elizabeth Grenier