Aluna pede reembolso de mensalidade ao descobrir que professor usou ChatGPT

Uma aluna da Northeastern University, conceituada universidade na cidade de Boston, nos EUA, disse ao jornal The New York Times que pediu reembolso de suas mensalidades depois que descobriu que o professor havia utilizado o ChatGPT para elaborar suas aulas.
O que aconteceu
Ella Stapleton estava em seu último semestre da faculdade. Em fevereiro, ao consultar os slides preparados pelo seu professor do curso de comportamento organizacional, exigido para a formação em istração, a aluna encontrou uma pergunta que o docente fez ao robô de inteligência artificial, para que ele "detalhasse mais os modelos de liderança".
Ela então decidiu pesquisar se aquele era um erro isolado. Revisando os slides de aulas anteriores, descobriu outros sinais do uso da IA: texto distorcido, fotos com partes do corpo fora de lugar nos enquadramentos e erros ortográficos.
Indignada, a aluna decidiu pedir um reembolso, já que o curso na renomada universidade era caro —e ela esperava receber uma educação de primeira. Só por aquela matéria no semestre, ela pagava US$ 8.000 (R$ 45,3 mil). Além disso, o próprio professor proibia no programa de estudos da disciplina o uso de "atividades acadêmicas desonestas", incluindo as ferramentas de inteligência artificial na definição.
A aluna ou por uma série de reuniões com autoridades em diversos níveis da universidade. Ao se formar, neste mês, ela recebeu a notícia de que não receberia o reembolso, logo após a colação de grau. Diversas universidades nos EUA têm assumido posicionamentos semelhantes de que o ChatGPT e outras IAs são ferramentas úteis e importantes para os professores, mas geram desconfiança dos alunos.
Rick Arrowood, o professor de Ella, disse ao Times que é professor há quase duas décadas. Ele relata que teria subido os conteúdos de suas aulas no ChatGPT, no Perplexity e no Gamma, todos ferramentas de IA, para "dar a eles uma abordagem nova". E defendeu que teria revisado os conteúdos e que eles pareciam ótimos, mas que "deveria ter olhado mais de perto". Também disse que não usa os slides em sala de aula porque preferiria discussões, mas os disponibilizou aos alunos para estudar.
Porta-voz da Northeastern University afirmou que a universidade "abraça o uso de inteligência artificial para melhorar todos os aspectos de seu ensino, pesquisa e operações". Mas, em sites como o "Rate My Professors", em que alunos dão notas e avaliações aos mestres, as queixas de exagero no uso de IA por parte dos professores são crescentes. Estudantes ainda lamentam a hipocrisia daqueles que proíbem o uso pelos alunos e questionam qual é o propósito de pagar milhares de dólares por uma formação universitária quando podem aprender de graça com o ChatGPT.
Caso semelhante já resultou em transferência da aluna
Aluna de 22 anos escreveu um ensaio de três páginas para curso online de antropologia da Southern New Hampshire University. Ao checar sua nota no sistema da escola posteriormente, a aluna, identificada apenas como Marie, viu um "A" (o equivalente à nota dez). Mas ao procurar os comentários da professora, viu que ela havia postado uma conversa com o ChatGPT, em que pedia "um muito legal" ao robô. O caso ocorreu no início do último ano letivo nos EUA, em setembro.
Ela acredita que a professora nem mesmo leu seu trabalho. Marie disse que não tinha interesse em expor sua professora, porque para muitos a universidade é "um terceiro trabalho", mas conversou com a docente em uma reunião pelo Zoom. A professora garantiu a Marie que leu o trabalho, mas que usou o ChatGPT como um guia, o que a escola permitiria.
No entanto, quando o mesmo aconteceu com um trabalho de outra disciplina, Marie decidiu pedir transferência da universidade. Ao Times, o vice-presidente de inteligência artificial da Southern New Hampshire, Robert MacAuslan, justificou que a universidade acreditava em "usar o poder da IA para transformar a educação" e que há regras para o uso por alunos e professores para "melhorar a criatividade humana e supervisão" —apesar de as tais regras proibirem o feito pelas ferramentas.
"Carga pesada" põe em xeque futuro da educação
O Times procurou os professores com mais reclamações de excesso de uso de IA na plataforma Rate My Professors. Anonimamente, eles defenderam o uso da ferramenta para dar a melhor educação aos seus alunos. Eles ainda justificam que a IA os ajudaria a economizar tempo de suas cargas horárias muito pesadas e serviriam como "professores assistentes automatizados".
Entre os próprios professores, não há consenso do que seria eticamente aceitável. Alguns apoiam o uso para dar notas, já outros criticam a prática. Há aqueles que defendem o uso ferramenta para dar um retorno de aprendizado aos alunos, outros só concordam com a sua adoção para criar modelos de estudo justamente para os alunos de ciência da computação, que precisam conhecer o funcionamento da IA. O tema divide até a academia.
Uma queixa em que professores e alunos concordam é a de que falta transparência —e de que é preciso estabelecê-la. Katy Pearce, professora de comunicação da Universidade de Washington, propôs uma polêmica ideia, mas que parece ter sido bem recebida pelos seus alunos. Ela desenvolveu um chatbot customizado com IA que foi treinado com versões de antigos trabalhos corrigidos por ela. Assim, a ferramenta consegue "copiá-la" a qualquer hora do dia e dar um retorno aos alunos mais tímidos que têm vergonha de fazer perguntas em aula.
Professores assistentes estão em risco, acredita Katy. Para ela, em um futuro bem próximo, todo o trabalho do professor assistente poderá ser feito pela IA. No entanto, é preciso pensar como será feita a formação de novos professores, que até o momento avam por estes estágios antes de conseguirem comandar de vez uma sala de aula.