Proposta do novo Código Civil avança em regras para reprodução assistida

O Código Civil pode ganhar regras para a área de reprodução assistida, caso a proposta de atualização do texto em discussão no Congresso avance no Senado.
O que aconteceu
Proposta regula reprodução após morte. O projeto prevê que o uso do material genético de alguém após sua morte para tentativas de gravidez só aconteça caso tenha sido autorizado por escritura ou testamento público. Além disso, o documento deve indicar "a quem deverá ser destinado o gameta" e quem engravidará. Hoje, a legislação brasileira não conta com normas que regulamentem esse tipo de atividade —normatizada apenas por resoluções do CFM (Conselho Federal de Medicina).
Filho nascido de reprodução assistida após a morte de um dos pais poderá participar da herança se o nascimento ocorrer em até cinco anos do falecimento. De acordo com a advogada Ana Scalquette, que ajudou na elaboração da proposta, o prazo foi definido para que a questão da herança de filhos que nasceram de reprodução assistida após a morte de um dos genitores não ficasse indefinida.
"Barriga de aluguel" segue vetada, mas proposta regulamenta cessão temporária de útero. Nesse procedimento, uma pessoa recebe gametas de outras duas para tentar engravidar. O projeto prevê que quem cede o útero não pode receber dinheiro por isso e que o bebê seja registrado em nome dos doadores de gametas.
Projeto de lei estabelece que procedimentos de reprodução assistida só podem acontecer caso haja consentimento de todas as partes envolvidas. Além do consentimento, os envolvidos devem informar o destino a ser dado ao material genético preservado caso rompam, adoeçam, morram ou desistam do tratamento.
Área vive um boom no Brasil. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, o número de espaços especializados em reprodução assistida no país saltou de 174 em 2020 para 213 em 2025 —um aumento de 22%. No mesmo período, a quantidade de embriões congelados cresceu de cerca de 87 mil para quase 545 mil.
Resolução de 2022 do CFM estabeleceu regras para procedimentos. O texto garante o o às técnicas por família monoparentais e casais "unidos ou não pelo matrimônio" e prevê que a doação de gametas só pode ser feita por maiores de idade, por exemplo. Entretanto, Ana Scalquette esclarece que por não se tratar de uma norma discutida pelo Congresso (como acontece hoje com a proposta de atualização do Código Civil), a resolução não tem a mesma força que uma lei, ou seja, não regula a vida em sociedade, mas apenas a prática médica.
Reforma ou novo código?
Proposta altera 54% dos artigos do texto atual. A responsabilidade por animais de estimação em caso de separação, o destino de bens digitais após a morte do dono e a possibilidade de expulsão de moradores antissociais de condomínios são alguns dos temas tratados — assim como outros direitos e deveres do cidadão.
Texto prevê que big techs sejam responsáveis por conteúdo divulgado por usuários. Caso seja aprovada, a regra invalidará o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que prevê que essas empresas só são obrigadas a remover conteúdo da internet após ordem judicial.
Regra em vigor cria problemas em algumas situações. No cenário atual, grupos que promovem preconceito, transmissões ao vivo de ataques a escolas e outros conteúdos que claramente violam a legislação dependem de uma decisão judicial específica para serem retirados do ar — o que é criticado por especialistas.
Norma em vigor é vista como "tremendo equívoco" por André Damiani, sócio fundador do Damiani Sociedade de Advogados. Vinculado ao mesmo escritório, Vinicius Fochi explica que a revogação do artigo 19 consta na proposta de atualização do Código Civil por tratar de um tema relacionado à responsabilidade civil.
Atualização gera debate
"Principal objetivo é destravar", diz relator da proposta de reforma. Ao UOL, Flávio Tartuce afirmou que a necessidade de atualização foi o que motivou a elaboração do texto e negou que a reforma resultará numa versão inteiramente nova do código, caso seja aprovada.
"Reforma é necessária, mas proposta traz conceitos muito subjetivos", diz advogada. Para Aracy Barbara, sócia do VBD Advogados, a falta de clareza em alguns trechos do projeto poderá dar margem a diferentes interpretações sobre um mesmo ponto pelos juízes no futuro — o que é visto como problemático.
"Há uma polarização contraproducente em relação ao texto", afirma Márcio Opromolla. De acordo com o advogado do escritório LDCM, o debate sobre o tema tem sido "muito acalorado e radicalizado". "Nunca vi uma discussão tão acirrada e radical como essa que estamos tendo agora", disse ele.
Para presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, discussão sobre a proposta precisa ser feita de maneira serena. Diogo Leonardo Machado de Melo entende que o texto traz mudanças estruturais em relação a versão em vigor hoje e deve ser objeto de ampla discussão por parte de diferentes setores.