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Documentos e familiares contrariam origem indígena de deputada do PL

do UOL

Do UOL, em São Paulo, Rio e Brasília, e colaboração ao UOL, em Macapá

14/06/2025 05h30Atualizada em 14/06/2025 12h17

Uma investigação do UOL mostra que a trajetória da deputada federal Silvia Nobre Lopes, conhecida publicamente como Silvia Waiãpi (PL-AP), é permeada por contradições que levantam dúvidas sobre sua origem indígena, idade, filiação e formação.

Silvia, que morava no Rio antes de ser eleita deputada em 2022, diz ter nascido na terra indígena Waiãpi e, quando criança, ter sido adotada por Pedro Alcântara Chaves Lopes, que já morreu, e por Edenes Nobre Lopes.

No entanto, essa versão é contestada por indígenas, por amigos ouvidos pelo UOL em condição de anonimato e chegou a ser negada pela própria Edenes.

Dois anos atrás, uma das irmãs de Silvia também chegou a afirmar, em postagem no Facebook, que a deputada mentia sobre ser indígena.

Irmã de Silvia Waiãpi contesta etnia de deputada no Facebook - Reprodução - Reprodução
Irmã de Silvia Waiãpi contesta etnia de deputada no Facebook
Imagem: Reprodução

Para ingressar nas Forças Armadas e registrar sua candidatura, Silvia utilizou um RG emitido em 1998 que aponta seu nascimento em 29 de agosto de 1975.

Mas sua certidão de nascimento, obtida pelo UOL em Macapá, indica que ela nasceu em 29 de agosto de 1971.

Essa data de 1971 também aparece em uma carteirinha do Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro (Coren-RJ), tirada em 1997. A diferença de quatro anos é replicada em outros documentos.

Certidão de nascimento de Silvia Waiãpi, com data de 1971 - Reprodução - Reprodução
Certidão de nascimento de Silvia Waiãpi, com data de 1971
Imagem: Reprodução

Com 5.435 votos, Silvia foi a deputada federal menos votada do Brasil em 2022.

Procurada, a parlamentar afirmou que as questões levantadas pela reportagem dizem respeito à sua vida privada e contrariam convenções internacionais de defesa dos direitos indígenas e a lei 14.192/2021, que combate a violência política contra a mulher.

Em junho de 2024, Silvia teve seu mandato cassado pelo TRE-AP, por desviar verba de campanha para fazer uma harmonização facial. Ela ainda não foi afastada, pois cabe recurso no TSE.

Carteira de identidade militar de Silvia Waiãpi, com data de nascimento de 1975 - Reprodução - Reprodução
Carteira de identidade militar de Silvia Waiãpi, com data de nascimento de 1975
Imagem: Reprodução

Adotada ou filha?

Em pelo menos dois vídeos, possivelmente gravados antes das eleições de 2022, Edenes afirma ser a "mãe natural" da deputada. Ela diz ainda que seu sogro era indígena, mas ela, não.

Em outro registro, Edenes afirma que Silvia "nasceu em 29 de agosto de 1971", a oitava de seus nove filhos biológicos.

A equipe de reportagem do UOL tentou contatar Edenes em sua residência nos arredores de Macapá, mas foi empurrada e ameaçada de prisão por um irmão de Silvia, identificado como José Alfredo.

A própria Edenes também pediu à equipe que se retirasse.

Dias antes da eleição de 2022, a mesma irmã que chamava a identidade indígena de Silvia de "embuste" afirmou que ela não merecia o voto do povo amapaense.

Após a eleição, questionou: "Quem disse que o crime não compensa? Os fins justificam os meios, né? Um viva aos que sabem a verdade e não [se] calam, porque Deus abomina a mentira! A índia tá eleita de braços dados com a família".

A reportagem tentou entrevistar essa irmã, que inicialmente aceitou falar com o UOL, mas depois recuou.

Outras seis fontes indicam que os parentes blindam Silvia, sustentando sua narrativa, e que outros familiares no Amapá e no Rio não falam por temer represálias.

A alegada identidade indígena

Segundo a versão mais frequente contada por Silvia, um acidente na aldeia Waiãpi durante a infância a teria levado a ser hospitalizada em Macapá, onde acabou adotada por Pedro e Edenes.

Amigos de infância ouvidos anonimamente pelo UOL afirmam nunca ter ouvido falar de adoção ou de sua origem indígena.

Lideranças waiãpis também refutam sua ligação com a comunidade. Desde 2022, afirmam que Silvia procurou na aldeia o casal Seremeté e Pupira e os convenceu de que era uma filha deles, desaparecida nos anos 1970.

Segundo esses líderes, a família a aceitou e ou a receber ajuda material de Silvia, como pagamento de estudos, tratamentos de saúde e abrigo em uma casa em Macapá.

Há registros de visitas dela à aldeia, como fotos postadas em 2014 por Pituku Waiãpi (apresentado por Silvia como irmão, morto em 2015), um artista plástico que visitou o Rio a convite dela.

Sílvia Waiãpi em registro fotográfico na aldeia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Sílvia Waiãpi em registro fotográfico na aldeia
Imagem: Arquivo pessoal

Em entrevista ao UOL, o cacique Patena Waiãpi foi taxativo: "Todo mundo sabe que ela não é waiãpi. Ela quer aproveitar a oportunidade dela, [porque] ela é bem parecida com uma índia. Mas conheci a mãe dela [Edenes], que confirmou que ela não é Wajãpi".

Outro ponto de suspeição é seu alegado domínio da língua dos waiãpis. Desde o início de seu mandato, ela costuma iniciar seus pronunciamentos no plenário com frases em um suposto idioma indígena.

No entanto, uma especialista em língua indígena e membros da comunidade Waiãpi que assistiram a trechos desses pronunciamentos, a pedido da reportagem, afirmaram que ela não fala o idioma.

Inconsistências na trajetória pessoal e profissional

Silvia relata ter fugido do Amapá para o Rio em 1990, onde teria morado na rua e ado fome, até ser acolhida pela família de um vendedor ambulante.

Uma amiga de infância, contudo, narra que Silvia foi retirada da rua por seu primeiro marido, o militar Carlos Alberto Fonseca, com quem teve três filhos.

Silvia Waiãpi é da base bolsonarista da Câmara dos Deputados - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
Silvia Waiãpi é da base bolsonarista da Câmara dos Deputados
Imagem: Reprodução/Twitter

Publicamente, Silvia afirma ter trabalhado na TV Globo como aderecista e preparadora de elenco, fazendo papéis secundários no início dos anos 2000.

A emissora não retornou aos questionamentos da reportagem sobre suas funções e período de trabalho.

Em seu currículo, consta formação em fisioterapia pelo Centro Universitário Augusto Motta, informação que a instituição não pôde confirmar devido à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Silvia também afirma ter especialização na Uerj.

Procurada, a universidade informou que ela "se matriculou na especialização em Gênero e Sexualidade do Instituto de Medicina Social da Uerj no ano de 2010, entretanto não concluiu o referido curso de pós-graduação".

Relação com os militares

Sua ligação com as Forças Armadas começou após o assassinato de seu segundo marido, o sargento fuzileiro naval Sérgio Luiz Lopes, em 2007.

Ingressou no Exército em 2010, usando o documento com 1975 como ano de nascimento, e ou a se apresentar como "a primeira mulher indígena das Forças Armadas".

Uma tentativa de migrar para a Marinha em 2011 foi recusada, supostamente por ter feito um exame físico no lugar de uma colega.

Silvia Waiãpi era apresentada como 'primeira indígena do Exército' - Divulgação/Exército  - Divulgação/Exército
Silvia Waiãpi era apresentada como 'primeira indígena do Exército'
Imagem: Divulgação/Exército

Em Brasília, atuação controversa

Silvia despontou na política em 2018, integrando a equipe de transição do governo Bolsonaro.

Chefiou a Secretaria de Saúde Indígena e ocupou um cargo no Ministério dos Direitos Humanos.

Apesar da identidade que projeta, Silvia compõe a comissão que discute o marco temporal, um projeto que limita a demarcação de terras indígenas, e é favorável a ele.

O deputado Dorinaldo Malafaia (PDT-AP) afirma que Silvia "criou" uma "personagem indígena" e que tem o agronegócio como bandeira, não os indígenas.

Em seu gabinete, especula-se que ela possa perder o mandato até o fim do ano.

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