Trama golpista: os principais pontos dos depoimentos ao STF
Trama golpista: os principais pontos dos depoimentos ao STF - Supremo interrogou principais réus acusados de tramar para manter Bolsonaro no poder após derrota em 2022. Cid confirma pontos da delação, Ramagem nega "Abin paralela" e Garnier nega ter oferecido tropas para golpe.O Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou nesta semana a fase de interrogatórios do primeiro núcleo de réus acusados de envolvimento na trama golpista para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder após a derrota nas eleições de 2022.
Quem são réus interrogados?
Os oito réus ouvidos nesta fase são acusados de pertencerem ao chamado "núcleo crucial" da trama golpista, segundo a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR):
Mauro Cid, tenente-coronel do Exército e ex-ajudante de ordens do ex-presidente Bolsonaro - (depôs em 09/06)
Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) - (depôs em 09/06)
Almir Garnier, ex-comandante da Marinha - (depôs em 10/06)
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça - (depôs em 10/06)
Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) - (depôs em 10/06)
Jair Bolsonaro, ex-presidente da República - (depôs em 10/06)
Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa - (depôs em 10/06)
Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e ex-vice na chapa de Bolsonaro em 2022 - (depôs em 10/06)
Os principais pontos do interrogatório de Mauro Cid: "Bolsonaro revisou minuta do golpe"
Na segunda-feira (09/06), o tenente-coronel Mauro Cid foi o primeiro réu a prestar depoimento, respondendo questões que já haviam sido tratadas em sua delação premiada. Cid confirmou que houve uma tentativa de golpe de Estado e que "presenciou grande parte dos fatos, mas não participou deles". O militar, contudo, negou que tivesse conhecimento prévio dos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023. O militar também negou ter sido alvo de qualquer tipo de coação para fechar sua delação.
Bolsonaro editou a minuta golpista
Cid afirmou que Bolsonaro recebeu no fim de 2022 a minuta de um decreto que previa a criação de uma comissão para organizar novas eleições. Esse rascunho também mencionava a prisão de ministros do STF e membros do Legislativo. Cid disse que Bolsonaro alterou esse trecho do documento e manteve apenas a prisão do ministro Alexandre de Moraes. "Ele enxugou o documento, basicamente retirando as prisões das autoridades. Somente o senhor [Moraes] ficaria como preso", disse Cid.
Envolvimento de militares
Cid afirmou que havia pressão sobre o comando das Forças Armadas para que fosse assinado um documento decretando Estado de Defesa ou Estado de Sítio. Mas, segundo Cid, o comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, foi o único comandante militar que aderiu ao plano.
O tenente-coronel também relatou que o general Estevam Theophilo, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres e réu no STF, afirmou a ele que o Exército iria cumprir uma ordem golpista de Bolsonaro caso o ex-presidente assinasse um decreto com as determinações.
Cid também confirmou que recebeu do ex-ministro Braga Netto, general da reserva do Exército, uma caixa de vinho cheia de dinheiro vivo para entregar ao tenente-coronel Rafael de Oliveira – militar suspeito de liderar um grupo que planejava matar Moraes, o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e o vice Geraldo Alckmin.
Mauro Cid ainda relatou que Braga Netto era o elo entre Bolsonaro e os acampamentos instalados em frente a quartéis pelo país.
Pressão para produzir relatório contra urnas
Mauro Cid também disse que Bolsonaro pressionou, em 2022, o então ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira para produzir um relatório "duro" para lançar suspeitas sobre a lisura do processo eletrônico de votação.
"A grande expectativa era que fosse encontrada uma fraude nas urnas. O que a gente sempre viu era uma busca por encontrar fraude na urna. Com a fraude na urna, poderia convencer os militares, dizendo que a eleição foi fraudada e, talvez, a situação mudasse", disse Cid.
No entanto, o relatório entregue pelos militares não apontou fraudes no sistema. "No final, foi meio termo, nem como o Paulo Sérgio tinha rascunhado, nem como o presidente queria", disse Cid.
Os principais pontos do interrogatório de Ramagem: "Anotações contra urnas eram privadas"
O segundo acusado que ou por interrogatório foi Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Ramagem foi denunciado sob a acusação de usar a estrutura do órgão para espionar ilegalmente desafetos do ex-presidente.
Ramagem diz que não havia uma "Abin paralela"
No depoimento, Ramagem negou que existisse uma "Abin paralela" responsável por monitoramento ilegal de autoridades, entre elas ministros do STF. "Nunca utilizei monitoramento algum pela Abin de qualquer autoridade", disse.
Ex-diretor também refutou ter disseminado informações falsas sobre urnas
Segundo a denúncia da PGR, Ramagem prestou auxílio direto a Bolsonaro fornecendo material para presidente com informações falsas sobre as urnas eletrônicas. Ramagem, no entanto, negou ter enviado a Bolsonaro arquivos de word com informações falsas para embasar lives do então presidente para alimentar suspeitas sobre as urnas. "Esses são documentos pessoais, são documentos privados. Não houve difusão qualquer, encaminhamento qualquer desse documento. Era algo privado, com opiniões privadas minhas", disse.
Os principais pontos do interrogatório de Garnier: "Nunca disponibilizei tropas para golpe"
O ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos foi o terceiro a prestar depoimento. Segundo a acusação, ele foi o único chefe das Forças Armadas a apoiar uma tentativa de golpe de Estado, colocando sua tropa à disposição de Bolsonaro em reunião no dia 7 de dezembro de 2022.
Perante o STF, porém, Garnier negou que tenha feito isso ou apoiado a ideia de golpe: "Nesse contexto em que foi atribuída a minha fala, eu nunca disponibilizei tropas para ações dessa natureza."
A negativa de Garnier contradiz depoimento dos ex-chefes das outras forças, generais Freire Gomes (Exército) e Baptista Júnior (Aeronáutica). Só que, segundo a dupla, o anúncio do apoio de Garnier não teria acontecido na reunião de 7 de dezembro de 2022.
Minuta do golpe
Naquela mesma data, segundo a PGR, Bolsonaro discutiu a minuta de decreto golpista com o ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira e os comandantes do Exército e da Marinha.
Garnier confirmou que, na ocasião, foram discutidas medidas de "garantia da lei e da ordem" diante da "dificuldade na condução do país" e "preocupação" do governo com "algo que pudesse descambar em algo não muito agradável".
"Havia vários assuntos [na reunião de 7 de dezembro], o principal era a preocupação que o presidente tinha, que também era nossa, das inúmeras pessoas que estavam, digamos assim, insatisfeitas e se posicionavam no Brasil todo, em frente aos quartéis do Exército", afirmou.
Mas o militar da Marinha argumentou que não viu minuta, e sim "uma apresentação na tela do computador" com considerações que poderiam levar à decretação de GLO. "Quando o senhor [ministro Alexandre de Moraes] fala minuta, eu penso em papel, em um documento que lhe é entregue. Eu não recebi esse tipo de documento."
Ele disse que também não viu qualquer "minuta do golpe" numa segunda reunião, em 14 de dezembro de 2022, da qual participaram todos os comandantes das Forças e o ministro da Defesa.
Desfile de tanques na Esplanada dos Ministérios
Em agosto de 2021, Garnier colocou tanques de guerra para desfilar na Esplanada dos Ministérios no mesmo dia em que a Câmara votava a PEC do voto impresso – pauta defendida por Bolsonaro, que desacreditava as urnas eletrônicas. Apesar da pressão do governo, a PEC foi rejeitada.
Em depoimento ao STF, Garnier chamou o desfile de "visitação pública", disse que ele já estava planejado antes da votação da PEC no Congresso e negou que o ato tenha sido uma tentativa de intimidação dos militares. "Foi uma coincidência", afirmou. "Esse planejamento logístico leva meses de antecedência, porque esses blindados vêm do Rio de Janeiro."
Os principais pontos do interrogatório de Anderson Torres: "Nunca discuti minuta do golpe"
Ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres é acusado de ter elaborado documentos que seriam usados no golpe de Estado. A PF encontrou na casa dele uma minuta de decreto para interferir no TSE e invalidar a eleição que Bolsonaro perdeu. Ele também é acusado de usar a Polícia Rodoviária Federal para tentar impedir eleitores de votar no Nordeste.
Minuta do golpe
Torres disse ao STF que a minuta do golpe apreendida pela PF em sua casa foi parar lá por uma "fatalidade", já que ele nunca teria tratado do assunto com o presidente e o documento deveria ter sido jogado no lixo. "Não é da minha lavra, não sei quem fez, não sei quem mandou fazer e nunca discuti esse tipo de assunto."
"Naquela época, era voz corrente na Esplanada. A gente recebia minutas, papéis, uma autoridade disse que recebeu três minutas como essa. E isso foi parar lá, eu levava pastinhas simples, e foi colocado para ser descartado", afirmou Torres. "Nem me lembrava dessa minuta, vi quando foi apreendido. Foi uma surpresa."
Omissão como secretário de Segurança do DF
Torres chegou a ser preso por ordem de Moraes depois dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, por suspeita de omissão. À época, ele era secretário de Segurança do Distrito Federal, cargo que assumiu com o fim do governo Bolsonaro – mas havia viajado no dia anterior de férias para a Flórida, nos Estados Unidos, mesmo destino de Bolsonaro em 30 de dezembro de 2022.
Torres afirmou que havia deixado um protocolo "robusto" de ações, com fechamento da Praça dos Três Poderes e policiamento especial. E que estava na Disney na hora que os manifestantes invadiram o Congresso e o Palácio do Planalto.
Celular extraviado
O ex-ministro da Justiça também negou ter sumido com o seu smartphone enquanto estava nos EUA para obstruir as investigações. Segundo Torres, ele perdeu o aparelho por ter ficado "transtornado" com a ordem de prisão emitida contra ele em 10 de janeiro de 2023.
General Heleno só respondeu aos advogados
O general da reserva Augusto Heleno, ex-ministro do GSI, é acusado pela PGR de dar "direcionamento estratégico" à organização criminosa que planejou o golpe e de aconselhar Bolsonaro.
O militar optou por não responder às perguntas do STF e da PGR sobre sua participação na trama golpista, e sim apenas às de seus advogados.
Em alguns momentos, ao perceber que Heleno começava a se estender numa resposta, o advogado o interpelou para impedir que fosse adiante: "A pergunta é só sim ou não".
Heleno negou ter orientado a Abin a produzir relatórios com informações falsas sobre a eleição e ter usado recursos do GSI para disseminar informações falsas sobre uma pretensa fraude eleitoral. Também negou ter participado de reuniões sobre o plano de golpe.
Os principais pontos do interrogatório do general Braga Netto: "Não entreguei dinheiro nem assediei comandantes"
Preso desde dezembro de 2024 sob acusação de obstruir a investigação sobre a trama golpista, Braga Netto foi candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022. Interrogado por videoconferência, o general da reserva é acusado ainda de ter financiado e incentivado os atos golpistas, bem como de ter atacado os comandantes militares que rejeitaram o golpe.
Dinheiro para golpistas
Contrariando o que havia dito Mauro Cid, Braga Netto negou ter reado dinheiro ao ex-ajudante de ordens de Bolsonaro para ser entregue aos kids pretos. Ele disse que foi procurado pelo tenente-coronel e o encaminhou ao PL por achar que eram "contas atrasadas de campanha", mas que o assunto "morreu" depois que o partido disse que não podia ajudar.
Braga Netto também negou ter procurado o general Lourena Cid, pai de Mauro Cid, para obter informações sobre o acordo de delação premiada dele. Segundo ele, foi Lourena quem o procurou para pedir apoio político para o filho.
Ataques virtuais
Braga Netto também negou ter ordenado ataques de apoiadores de Bolsonaro aos ex-comandantes do Exército, Freire Gomes, e da Aeronáutica, Baptista Júnior, por não terem aderido à proposta golpista.
Durante as investigações, foram encontradas mensagens de WhatsApp nas quais o general teria mandado "sentar o pau" nas críticas aos comandantes. Indagado por Moraes, Braga Netto disse que as mensagens "estão fora de contexto".
Fala enigmática
Em 18 de novembro de 2022, Braga Netto disse a apoiadores de Bolsonaro que se aglomeravam no "cercadinho" do Palácio da Alvorada: "Vocês não percam a fé, tá bom? É só o que eu posso falar para vocês agora."
Moraes quis saber do que Braga Netto estava falando e ouviu do militar que a fala era uma alusão a um recurso apresentado pelo PL ao TSE. "Uma senhora pediu pra tirar foto, ela começou a chorar", relatou. "Falei vamos ter fé, normal, vem alguma coisa aí. Sabia que o PL iria entrar com documento no TSE e eu achei que poderia render alguma coisa."
Trama golpista
Braga Netto também disse desconhecer planos de ass autoridades e afirmou ter sido surpreendido pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. "Quando eu vi, aquilo me horrorizou, aquilo foi vandalismo."
O general minimizou um documento apreendido pela PF na mesa de um assessor dele na sede do PL que dizia que "Lula não sobe a rampa". "O [coronel] Peregrino era assessor meu para comunicação social. Ele nunca me apresentou o documento nem tocou no assunto."
Quais são os crimes apontados na denúncia apresentada pela PGR?
Organização criminosa:associação de quatro ou mais pessoas em uma estrutura ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas om objetivo de obter vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais. Pena prevista: de três a oito anos de prisão.
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito: tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais. Pena: de quatro a oito anos de prisão.
Golpe de Estado: Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído. Pena: de quatro a 12 anos de prisão.
Dano qualificado: destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia, com violência e grave ameaça. O crime também é considerado mais grave quando cometido contra o patrimônio público ou de entidades específicas ou com grave ameaça. Pena: de seis meses a três anos de prisão.
Deterioração de patrimônio tombado: destruir, inutilizar ou deteriorar bem especialmente protegido por lei. Pena de um a três anos de prisão.
Próximas fases
O interrogatório dos réus é a última etapa da fase de instrução do processo penal que tramita no STF.
Encerrados os interrogatórios, tanto a defesa quanto acusação poderão solicitar requerer diligências complementares -como depoimentos de novas testemunhas e solicitação de documentos. Depois dessa fase, a defesa e acusação deverão apresentar suas alegações finais, num prazo de 15 dias.
Na próxima etapa, o ministro relator do caso, Alexandre de Moraes, vai preparar seu voto e liberar o caso para julgamento pela Primeira Turma do STF. O julgamento será marcado pelo presidente da Turma, Cristiano Zanin. Os membros da turma – Zanin, Moraes, Carmen Lúcia, Luiz Fux e Flávio Dino – vão decidir pela condenação ou absolvição dos réus.
jps/cn/ra (ots)