O risco de beber água da chuva
O risco de beber água da chuva - Estudo encontra agrotóxicos em amostras recolhidas em cidades paulistas. Exposição crônica mesmo a baixas doses dessas substâncias pode causar danos à saúde.A água da chuva se tornou uma fonte alternativa de água potável devido à escassez causada pelas mudanças climáticas e ao crescimento populacional. No entanto, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) não recomendam o uso dessa água para beber, cozinhar ou tomar banho sem tratamento prévio e enfatizam que a análise dela é importante já que pode detectar contaminantes.
E foi justamente isso que um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) fez. Eles coletaram amostras de água da chuva entre agosto de 2019 e setembro de 2021 em três cidades paulistas: Campinas, Brotas e a capital São Paulo. Eles descobriram que essa água pode ser uma fonte de contaminação por agrotóxicos.
Segundo a pesquisa, cujo resultado foi divulgado na revista científica Chemosphere no final de abril, 14 tipos de agrotóxicos foram identificados nessas amostras.
"Nós já sabíamos que uma quantidade de agrotóxico é encontrada nas águas dos rios, mas na água da chuva foi a primeira vez que foi estudado no Brasil. Isso mostra que essas partículas de agrotóxicos estão presentes no ar", explica Cassiana Montagner, pesquisadora do Instituto de Química da Unicamp, coordenadora do Laboratório de Química Ambiental.
Os agrotóxicos podem chegar aos rios de várias maneiras, como através do escoamento superficial da água da chuva que carrega os produtos químicos, do manejo inadequado do solo ou do vazamento ou derramamentos acidentais.
Os agrotóxicos encontrados
O herbicida atrazina, usado em larga escala pelo agronegócio no país, foi detectado em todas as amostras de água da chuva coletadas nas três cidades que integram o estudo e o fungicida carbendazim, que tem seu uso proibido no Brasil, foi encontrado em 88% do material coletado. Em Brotas ele foi o agrotóxico encontrado em maior quantidade. O herbicida tebuthiuron foi detectado pela primeira vez em água de chuva, estando presente em 75% das amostras.
Em 2022, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu o uso do carbendazim, dando o prazo de doze meses para que os agricultores se adequassem à nova regra. A substância pode causar mutações genéticas, diminuir a fertilidade e prejudicar o feto.
As concentrações dos agrotóxicos encontradas nas amostras não ultraaram os limites permitidos para a água potável no Brasil. Porém, algumas das substâncias detectadas não têm padrões de segurança estabelecidos, ou seja, não há indicadores de concentração segura.
Além disso, segundo os pesquisadores, a exposição crônica mesmo a baixas doses dessas substâncias pode causar danos à saúde humana a longo prazo. "Ninguém bebe ou tem contato com essa água da chuva todos os dias, então o risco não é direto. Mas esse estudo acende um alerta. Por exemplo, alguns desses produtos têm relação com doenças crônicas como infertilidade, doenças neurológicas, respiratórias e podem causar câncer", acrescenta Montagner.
Presentes na atmosfera
Com relação ao reuso, a pesquisadora afirma que não há problemas em usar essa água da chuva para lavar os quintais, por exemplo.
Outro ponto importante, segundo o estudo, é que ao encontrar essas partículas de agrotóxicos na água da chuva, isso mostra que essas substâncias estão presentes na atmosfera, ou seja, também pode estar presente no ar que respiramos.
A pesquisa apontou também que Campinas foi a cidade que apresentou a maior concentração de agrotóxicos, com 701 microgramas por metro quadrado. O município tem quase metade do território ocupado por lavouras – o maior território de plantio entre as cidades analisadas no estudo.
Em Brotas, onde os plantios ocupam 30% da cidade, ficou em segundo lugar com a média de 680 microgramas por metro quadrado. Já em São Paulo, que possui apenas 7% do seu território agrícola, os índices chegaram a 223.
Como os agrotóxicos vão parar na água da chuva
Parte dos agrotóxicos aplicados nas lavouras se dissipa na atmosfera e pequenas partículas podem se condensar nas gotículas de água que formam a chuva. Com a precipitação, o produto retorna ao solo e pode alcançar locais mais distantes das plantações. Isso acontece porque fatores como vento, temperatura e umidade influenciam na sua distribuição.
O que ocorre com os agrotóxicos é semelhante ao que ocorre com a chuva ácida. Esse tipo de chuva é caracterizado pelos níveis elevados de ácidos sulfúrico e nítrico, formados pela reação de dióxido de enxofre (SO?) e óxidos de nitrogênio (NO?) com a umidade da atmosfera. Esses poluentes são liberados principalmente pela queima de combustíveis fósseis.
A diferença é que a quantidade de micropartículas de agrotóxicos encontradas na água da chuva, ainda estão em uma quantidade pequena, quando comparada à chuva ácida. "Eu não diria que é uma nova vertente da chuva ácida, mas sim, mais um poluente que estamos encontrando na água da chuva", diz Montagner.
Autor: Simone Machado